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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

E o voto: secreto para quem? Secreto para quê?

Em 28 de agosto de 2013 o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a cassação do mandato do Deputado Donadon, condenado criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal, com trânsito em julgado e já em execução da pena privativa de liberdade. Não foi alcançado o quorum exigido de maioria absoluta, correspondente a 257 votos. Sem dúvida, calha a adaptação da conhecida frase escrita por Lord Acton em 1887. Se o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, o voto secreto propicia o poder absoluto do parlamento, corrompido ao se eximir da censura pública. Ao invés da liberdade e da independência, a subserviência e o corporativismo. Ao invés do republicanismo e da necessária virtude cívica, a complacência e condescendência dos pares. Pares no parlamento e não na prisão.

Há muito tempo, Monteiro Lobato já constatava que o voto secreto é inerente à democracia, pois afasta o voto por pressão e o voto por dinheiro, algo intrínseco às eleições naquela época. Para ele, o voto a descoberto levaria o eleitor a votar conforme as exigências do seu meio, sendo dele um mero escravo o eleitor, um miserável mascarado.

Só que a lógica se inverte se o voto, cujo sigilo é uma garantia da liberdade de consciência e de escolha do eleitor, refere-se aos representantes. A máscara passa a ser o sigilo do voto, que inibe a censura crítica dos eleitores sobre os eleitos quando deliberem contrariamente àquilo que é esperado.

Em si mesmo, o voto secreto se destina a garantir as ditas independência e liberdade escolha. Para os representantes, é garantia inexorável. Para os representados, deveria ser garantia de que, em determinados casos, as deliberações individuais estivessem a salvo de pressões dos seus próprios pares e do executivo; deveria resguardá-los dos pares e do poder executivo; não não povo, jamais dos seus representados.

Lamentavelmente, ocorre a invocação da célebre constatação de que, na prática, a teoria não se confirma. No caso do Congresso Nacional, tem-se verificado que, em se tratando de deliberação para cassação de mandato, o voto secreto tem servido para proteger o representante do controle e de censura pública dos representados, escudando-se na máscara do sigilo para deliberar nitidamente contra o interesse público e contra o povo.

É nesse sentido que a Constituição Federal assegura, no art. 60, dentre as cláusulas pétreas, o voto secreto. O voto secreto do povo, não dos seus representantes, que o tem exercido, quando lhe é conferido, contrariamente a sua razão histórica.

A instauração do constitucionalismo moderno propiciou a tentativa contínua de domesticação jurídica do exercício do poder, passando-se do governo dos homens para o governo das leis. Só que as leis são feitas, executadas e impostas por homens. Daí que as instituições, compostas por homens, e que se destinam a criá-las, executá-las e as impor, devem se assegurar de que os riscos do governo dos homens não se projetem sobre o governo das leis. Para evitar que as deliberações se orientem por paixões, por preconceitos, por interesses pessoais, pela vontade de poder e não pela vontade de Constituição, que materializa a vontade popular. Para afastar, como dito por Ruy Barbosa, os comensais do erário, as ratazanas do tesouro, os mercadores do parlamento.

Nesse sentido, não há alternativa senão, para reforçar as medidas necessárias a resgatar parte da credibilidade do parlamento, mesmo antes da reforma política, e em atenção aos protestos populares, das ágoras virtuais e reais, em típica manifestação de ativismo popular em defesa da própria Constituição, o banimento do voto secreto nas deliberações parlamentares.

Outrossim, embora não se possa afirmar que as previsões residentes na Constituição para o voto secreto dos parlamentares seja inconstitucional, tanto pela inadmissibilidade de ocorrência de inconstitucionalidade de normas originárias, como por haver razão teórica que o justifique, deve-se reconhecer que o princípio republicano e o princípio democrático impõem cada vez mais que o sigilo seja excepcionalíssimo, não se podendo evitar a ciência do que se opera no âmbito da res publica. E no caso do legislativo, é através do voto que o parlamentar presta contas aos seus eleitores, respaldando a regra geral do voto aberto ou ostensivo.

Quanto o caráter sigiloso do voto, ao invés de garantia de desempenho destemido do mandato, leva à dúplice impunidade: evitar a cassação; evitar condenação eleitoral e política. Como não se pode trocar os parlamentares, aqueles que o utilizaram para a impunidade acreditando que o fariam impunemente, modifica-se o sistema, a fim de cercear o poder absoluto escamoteado.

O Supremo Tribunal Federal já assentara em vários precedentes, dentre os quais na ADI 4298, que a ostensividade do voto deve ser sempre prestigiada, como já deflui do próprio sistema constitucional, em face da necessidade dos eleitores saberem a quantas anda o exercício do mandato pelos eleitos.

Assim, afigura-se premente a necessidade de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 349/2001, mais ampla do que a Proposta de Emenda Constitucional 196/2012, visando a abolir do texto constitucional toda e qualquer previsão de voto secreto nas deliberações do Congresso Nacional. Só assim o voto secreto será restabelecido apenas a quem efetividade dele precisa para o exercício do sufragio universal. E para que seja exercido de forma livre quanto ao seu conteúdo, indevassável por quem quer que seja. Não pode mais ser indevassável para assegurar a dúplice impunidade, como vem ocorrendo.

Com tais mudanças o Congresso Nacional mostrará que não tem receio do povo, não deseja se resguadar do ativismo popular e da democracia participativa e que está auscultando o que as ruas e as redes sociais protestam.





segunda-feira, 24 de junho de 2013

Plebiscito para miniconstituinte é inconstitucional

A manifestação da Presidente Dilma Rousseff sugerindo plebiscito para que haja miniconstituinte para aprovação da reforma política é infeliz. Não é possível haver alteração nas regras atinentes ao poder de reforma. Além disso, essa matéria prescinde de uma suposta mini-constituinte, podendo ser aprovada independentemente. Das duas uma: ou é uma sugestão para enterrar ou atravancar de vez a reforma política, ou para escancarar o texto constitucional a diversas outras reformas, de interesses menos republicanos, que venham a descaracterizá-la ainda mais quanto ao seu caráter dirigente e garantista. Desde FHC e Lula que há essa intenção, sempre barrada, encontrando forte resistência dos setores jurídicos, notadamente da doutrina constitucional.
Ora, um poder constituído não pode alterar as regras de reforma do texto elaboradas pelo poder constituinte, carecendo de competência para tanto. Quando a Constituição é alterada contrariamente às regras constitucionais, por mais relevantes que sejam os objetivos e as intenções, afigura-se mais como golpe. Ouvir o povo não é solução, pois não é o único caminho para a reforma política, sendo esta uma atribuição ordinária do Congresso Nacional que pode ser realizada mediante emenda constitucional, sujeitando-se a todas as limitações pertinentes. Espera-se que as manifestações populares, republicanas e democráticas, em tutela da própria ordem constitucional, não sejam o mote que faltava para tentar justificar tamanha inconstitucionalidade. O Gigante não pode ser ludibriado e nem iludido.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Do ativismo judicial ao ativismo popular

Tanto se tem criticado ultimamente o ativismo judicial - relacionando-se, no caso, com a judicialização da política - que se legitima sobretudo diante da inação tão comuns aos órgãos legislativos e judiciários. Seria até possível imaginar uma ação civil pública ajuizada contra o aumento das tarifas de ônibus ao fundamentos de que não haveria necessidade de repasse para fins de reequilibro ecnômico-financeiro. Se o juiz, investido democraticamente na função por força do processo impessoal e republicano do concurso público, afastasse a cobrança, em sede de liminar, muitos opositores se insurgiriam contra o governo dos juízes. O povo, tutelando a ordem constitucional diretamente nas ruas, numa mobilização sem precedentes, logrou tal êxito. Espera-se que se perceba não ser razoável exigir tamanhas manifestações populares para fazer cumprir a vontade da Constituição! Afinal de contas, como diz Konrad Hesse, essa tarefa foi confiada a todos nós, inclusive à jurisdição constitucional republicana!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Além do real, aquém do necessário e para o possível!

Manifestações do Brasil, seguindo as insurreições populares que se globalizam em torno da efetividade dos direitos sobre a política e sobre o capital. Demanda para que as condições existenciais  não tenham os bens que as satisfaçam estimados conforme o valor pecuniário e de mercado, mas pelo seu valor humanístico. Revolta do Vinagre, No nos representan!  http://migre.me/f4f2U

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Inconstitucionalidade da omissão de promulgação de emenda constitucional


Em recente notícia publicada em sites da Internet consta a informação de que "Renan Calheiros (PMDB-AL) decidiu ontem comprar briga com os magistrados federais e não vai promulgar a PEC 544 de 2002, aprovada na Câmara, que cria mais quatro Tribunais Regionais Federais – 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões" ( ). Diante disso, cabe refletir sobre qual a fundamentação constitucional em que se estriba o Presidente do Senado Federal para adotar tal prática, se é que há uma preocupação em fundamentar na ordem constitucional a negativa da vigência de uma emenda constitucional já aprovada.
A Constituição Federal disciplina o processo legislativo, assegurando o que se pode ter como os parâmetros constitucionais para um devido processo legislativo, ou due process of law-making. Esse zelo constitucional se justifica na medida em que o processo legislativo é a via mais importante de realização da democracia representativa. Em outros termos, os representantes são eleitos para que instituam normas idôneas a garantir o ideal do bom governo mediante regramento advindo do governo das leis. Daí a dimensão democrática inexorável do Estado de Direito e do processo legislativo.
E dentre a disciplina do processo legislativo, encontra-se o regramento constitucional relativo às emendas constitucionais, constante do art. 60 do texto constitucional, porquanto já exaurida a eficácia do art. 3o. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O art. 60 do texto constitucional, ao regular o processo legislativo das emendas constitucionais, delimita a competência do Poder de Reforma, fazendo-o mediante a estipulação de limites formais - que conferem rigidez ao texto constitucional -, limites circunstanciais e limites materiais, de fora parte os ditos limites materiais implícitos.
Pode-se considerar que o êxito do sistema constitucional depende, também, da autoridade e da força normativa da constituição, sediada seja numa vontade de constituição, seja no sentimento constitucional, seja na vivência de uma cultura constitucional, como defenderiam Konrad Hesse, Pablo Lucas Verdú e Peter Häberle. E para que uma constituição goze da autoridade suficiente à afirmação da sua supremacia, torna-se imprescindível que o exercício do poder de reforma seja sempre pontual, excepcional e de precisão cirúrgica.
Não obstante isso, o legítimo exercício do poder de reforma - em consonância não apenas com os limites constitucionais, mas com sua própria natureza e com a sua função de atualizar o texto constitucional à dinâmica da realidade social, aos anseios e demandas que se projetem e se afirmem - não pode ser coarctado deliberadamente por qualquer autoridade pública, porquanto autoridade esta inferior àquela que deriva da vontade manifestada pelos representantes do povo e dos Estados no curso do respectivo devido processo legislativo.
Com efeito, prevê o texto constitucional que as emendas constitucionais, uma vez aprovadas pelas duas casas nos dois turnos de discussão e votação, por 3/5 dos votos dos membros de cada Casa, serão promulgadas pela Mesa da Câmara dos Deputados e pela Mesa do Senado Federal, sendo, assim, a promulgação de uma emenda constitucional - e não mais da proposta de emenda, tendo em vista que o seu texto já se encontra consolidado - um ato complexo.
Efetivamente, a Constituição Federal não estabelece qualquer prazo para promulgação de emendas constitucionais, o que não significa que fique ao livra alvedrio dos Presidentes das Casas fazê-lo quando bem entendam. Não há discricionariedade quanto à oportunidade ou quanto ao momento da promulgação das emendas.
Tal ilação se confirma quando analisado o processo legislativo ordinário, cujas regras podem ser aplicadas, subsidiariamente, e no que for compatível, aos processos legislativos especiais.
Com efeito, a Constituição Federal estipula prazos para promulgação das leis que sejam objeto de sanção tácita - ultrapassados 15 dias úteis sem que tenha havido o veto jurídico (por inconstitucionalidade) ou político (por incompatibilidade com o interesse público) -, bem como daquelas que resultam da derrubada do veto pelo Congresso Nacional. Em tais casos, a lei deve ser promulgada em até quarenta e oito horas pelo Presidente da República; se não o fizer, caberá ao Presidente do Senado, no mesmo prazo; caso mantenha-se inerte, impõe a Constituição ao Vice-Presidente do Senado o encargo de promulgar a lei.
No caso da sanção expressa a Constituição não prevê qualquer prazo por não ser crível que, apondo a sua concordância com o projeto de lei, o Presidente da República se abstenha de imprimir as condições necessárias para sua vigência, com a promulgação e a publicação da lei. Tendo em vista o prazo para a sanção expressa - que é o prazo para o veto -, é de quinze dias úteis, poder-se-ia defender a extensão do prazo de quarenta e oito horas também na hipótese - racionalmente impensável - do Presidente sancionar e não promulgar.
Ora, se esse regramento existe para o processo legislativo ordinário, a sua ausência no processo legislativo das emendas constitucionais não induz que possa o Presidente do Senado se abster de comungar sua vontade a do Presidente da Câmara para que as Meses possam promulgar uma emenda constitucional, ou mesmo que possa fazê-lo sob os auspícios de uma suposta inconstitucionalidade. E tal se dá porque o direito, notadamente o direito constitucional, não é apenas posto, mas também pressuposto, conforme magistério de Eros Roberto Grau.
É também impensável - ao menos racionalmente e sob o referencial do senso comum - admitir-se que uma autoridade possa sobrepor-se à autoridade democrática dos representantes do provo, chancelada pelo devido processo legislativo, com a sua dimensão dialógico-dialética, para impedir a vigência de uma emenda constitucional. Daí a razão pela qual não há regra constitucional expressa para o prazo de promulgação das emendas.
A despeito disso, é evidente que a ordem constitucional não se compraz com mecanismos sub-reptícios destinados a evitar que um ato normativo consolidado, após concluída a fase de elaboração do devido processo legislativo, tenha sua vigência frustrada ou abortada. A situação em questão ilustra a intenção do Presidente do Senado de se assenhorar da atribuição de realizar um veto jurídico tácito, contrariando não apenas o devido processo legislativo das emendas constitucionais, mas o arcabouço principiológico do devido processo legislativo.
Ora, ao defender para si a possibilidade de se negar a promulgar emenda constitucional e, com tal expediente, obstar-lhe a vigência, o Presidente do Senado se arroga numa atribuição que nem mesmo o Presidente da República detém, pois quando pode vetar baseado na inconstitucionalidade de um projeto de lei, este veto pode ser derrubado e, nesse caso, será impositiva a promulgação da lei.
Outrossim, não há espaço institucional para exercício de controle político e preventivo de constitucionalidade na estreita e estrita competência conferida constitucionalmente para promulgar uma emenda constitucional, porquanto já exercido pelas Comissões de Constituição e Justiça das Casas.
Diante do quadro que se apresenta, revela-se como absolutamente destituída de embasamento constitucional a conduta do Presidente do Senado de - ao arrepio da vontade de seus pares, e em consonância com a vontade do Presidente do Supremo Tribunal Federal - ao menos quanto ao mérito, e não quanto a forma - se abster de promulgar a emenda constitucional que cria mais quatro Tribunais Regionais Federais.
Quanto à suposta inexistência de prazo para promulgação, tendo em vista o arcabouço constitucional do devido processo legislativo, afigura-se legítima a interpretação que confira às Mesas da Câmara e do Senado o prazo de 96 horas para promulgação da emenda constitucional, estendendo-se a disciplina existente para o processo legislativo ordinário, cabendo ao Vice-Presidente do Senado, em consórcio com o Presidente da Câmara ou com o seu Vice-Presidente, fazê-lo. Não o fazendo, sujeitam-se às penalidade típicas da ofensa às regras fundamentais do mandato, após instauração de processo disciplinar.
De fora parte isso, entremostra-se viável a proposição de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, vulnerados que estão o devido processo legal, o princípio da legalidade e o princípio democrático, como também o mandado de segurança por qualquer parlamentar. E a imposição da promulgação por decisão judicial não poderia ser questionada como ativismo ou intervenção indevida do Judiciário, pois não se trata de matéria interna corporis e nem de ato político, como se pretendeu demonstrar.
Não se pode ignorar a existência de uma prática similar, ocorrida com a Emenda Constitucional n. 52/2006, que previa sua aplicação ainda para as eleições de 2002, mas só veio a ser promulgada em 2006. Tal inércia não chegou a ser juridicamente questionada e não apresentou qualquer efeito prático senão até as eleições de 2006, dando ensejo à Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3685, reconhecendo a inconstitucionalidade da aplicação do seu regramento às eleições daquele ano, por não ter sido promulgada até um ano antes do pleito.
Enfim, nada mais e mais lamentável há do que tentar sobrepor a vontade de poder sobre a vontade de Constituição, calhando atentar para a advertência de Hesse, de que a tarefa em favor da força normativa da Constituição cabe a nós, a todos nós, a quem foi confiada pela própria ordem constitucional, como autênticos partícipes da comunidade de intérpretes da Constituição, responsáveis pela sua guarda, nos termos, também, do art. 377 da Constituição francesa de 1795, ao conferir à vigilância corajosa de todos os franceses a sua observância.